quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MÚSICA E LITURGIA - continuação


Dando continuidade ao assunto música e liturgia...


4 UM TIPO DE CANÇÃO PARA CADA TEMPO LITÚRGICO

Nos momentos onde for possível inserir cânticos livres, ou seja, fora dos momentos onde se cantam partes fixas da missa, a equipe de canto deve priorizar canções voltadas à proposta de cada tempo litúrgico, a saber:

- Tempo do Advento: músicas que contemplam a expectativa da espera e da necessidade de preparar corações para receber o Cristo que vem.

- Tempo do Natal: músicas que falem do Verbo encarnado, do Cristo presente entre nós.

- Tempo Comum: por se tratar do tempo onde o destaque é o ministério público de Jesus, é importante destacar canções desse gênero, de acordo com a Liturgia da Palavra do dia.

- Tempo da Quaresma: são proibidas as músicas que tragam o “aleluia”. Deve ser um tempo onde se prioriza as canções que falam da necessidade de conversão, da penitência e das práticas de caridade.

- Tempo Pascal: tempo de maior júbilo, onde todos os dias são pascais. É o “dia de cinquenta dias” e deve ter canções que falem da ressurreição de Cristo, da vida nova, da alegria e confiança em Deus.

Em solenidades, os critérios passam pela busca de canções que se encaixem com a ocasião. Evidentemente que numa solenidade da Assunção de Maria, por exemplo, não se cantará cantos marianos de início a fim. A paz que se expressa é a de Cristo, as oferendas que se apresentam são para que se transubstanciem em Jesus, o corpo que se recebe na comunhão é do Ressuscitado, ou seja, nem tudo pode se converter ao santo ou ocasião celebrada, mas pode, mesmo nesses casos apresentados, haver referências ao que se celebra. Em se tratando da solenidade da Anunciação do Senhor, percebe-se que as equipes de canto de um modo geral se preocupam em escolher cantos marianos quando, na verdade, trata-se de uma solenidade do Senhor, mesmo tendo a Virgem Maria participação fundamental nesse episódio.


5 MÚSICA PROTESTANTE NA LITURGIA

Esse assunto merece um tópico a parte e é um tanto delicado, possuindo várias interpretações.

Primeiramente, cito a posição do saudoso Dom Estevão Tavares Bettencourt a esse respeito:

“Não é conveniente adotar cânticos protestantes em celebrações católicas pelas razões seguintes:

1) Lex orandi lex credendi (Nós oramos de acordo com aquilo que cremos). Isto quer dizer: existe grande afinidade entre as fórmulas de fé e as fórmulas de oração; a fé se exprime na oração, já diziam os escritores cristãos dos primeiros séculos.

No século IV, por ocasião da controvérsia ariana (que debatia a Divindade do Filho), os hereges queriam incutir o arianismo através de hinos religiosos, ao que Sto. Ambrósio opôs os hinos ambrosianos.

Mais ainda: nos séculos XVII-XIX o Galicanismo propugnava a existência de Igrejas nacionais subordinadas não ao Papa, mas ao monarca. Em consequência foi criado o calendário galicano, no qual estava inserida a festa de São Napoleão, que podia ser entendido como um mártir da Igreja antiga ou como sendo o Imperador Napoleão.

Pois bem, os protestantes têm seus cantos religiosos através de cuja letra se exprime a fé protestante. O católico que utiliza esses cânticos, não pode deixar de assimilar aos poucos a mentalidade protestante; esta é, em certos casos, mais subjetiva e sentimental do que a católica.

2) Os cantos protestantes ignoram verdades centrais do Cristianismo: A Eucaristia, a Comunhão dos Santos, a Igreja Mãe e Mestre... Esses temas não podem faltar numa autêntica espiritualidade cristã.

3) Deve-se estimular a produção de cânticos com base na doutrina da fé.”

Existe muita música de origem protestante cuja letra e melodia são de tamanha beleza que penetra nosso interior. Elas falam do amor de Deus, da fraternidade, da reconciliação, do louvor, enfim, tantos assuntos que também cantamos em nossa tradição católica. Por outro lado, nós católicos possuímos cantos belíssimos, inspiradores, pautados na Palavra de Deus e na tradição cristã, como escritos dos santos e doutrinas da Igreja. Muitas vezes, engavetamos o que de belo temos para priorizar o que foi composto dentro de uma concepção divergente ao nosso modo de crer.

A princípio, desde que não contrarie a fé cristã-católica e atenda aos princípios litúrgicos, não há problema em se empregar canções protestantes na Sagrada Liturgia; nas palavras do próprio Jesus, “o que não está contra nós é a nosso favor” (Mc 9,40). Mas se considerarmos aquilo que cremos, da forma como cremos e celebramos, estamos diante de uma falta de respeito e fidelidade à nossa fé e à nossa tradição. É como cantar um canto protestante de adoração diante do Santíssimo Sacramento, sabendo claramente que seu compositor rejeita a presença real de Cristo na Eucaristia. Assim, estamos desprezando as canções compostas por irmãos católicos, que em suas concepções visualizaram Cristo Eucarístico ou até que diante dele buscaram inspiração para compor.

Sabemos que o patrimônio artístico referente à música sacra em nossa Igreja é enorme. É hora de resgatarmos canções e também conhecermos o que de novo surge a cada dia, cujo trabalho está em comunhão com a Igreja e nela e a partir dela busca inspiração. Cantar o que é nosso é valorizar nosso rico e inestimável patrimônio.

É de Santo Agostinho a frase que inicia esse artigo: “se queres saber no que cremos, vem ouvir o que cantamos”. O que cantamos reflete diretamente aquilo que cremos, ou seja, um fator inspira o outro, caminham lado a lado, são inseparáveis. Ainda que apreciemos certas canções, bandas ou compositores protestantes é preciso saber que existe um limite na aplicação de seus trabalhos e que as doutrinas que os embasam, em boa parte, divergem substancialmente da fé que recebemos de Cristo, dos apóstolos, da Igreja.

É preferível, pois, valorizarmos o que é nosso e empregá-lo na sagrada ação litúrgica, onde está o ápice da vida cristã, evitando a inserção de outras formas de manifestação artística. Temos um passado riquíssimo e um futuro brilhante para sustentar a Liturgia, mantendo todo decoro e dignidade que o culto merece e, assim, livrando-o de possíveis heresias mascaradas que podem estar presentes em muitas canções de origens não católicas.


6 CANTAR EM LATIM

O latim é o idioma que constitui ponto de unidade na Sagrada Liturgia, sobretudo no rito latino, predominante no Brasil e no ocidente. Portanto, é louvável sua aplicação no canto litúrgico, mesmo que não em sua totalidade, para expressar o caráter uno da Santa Igreja, onde quer que ela esteja.

“Uma vez que se realizam sempre mais frequentemente reuniões internacionais de fiéis, convém que aprendam a cantar juntos em latim ao menos algumas partes do Ordinário da Missa, principalmente o símbolo da fé e a oração do Senhor, empregando-se melodias mais simples.” (IGMR 42)

Atualmente, vê-se uma preocupação em se empregar o latim em alguns cantos, caso doAgnus Dei (Cordeiro de Deus), que conta com melodias simples e belas. O Pai Nosso também é outra oração com algumas melodias já consagradas no meio cristão. Aliás, outras partes da missa podem ser cantadas de acordo com a tradição da Igreja, como o Kyrie Eleison (“Senhor, tende piedade”, em grego). Mesmo no rito extraordinário, também conhecido como tridentino, nem todas as canções litúrgicas eram em latim, já que existiam outras formas de cantos além do gregoriano, muitas canções de apelo mais popular e ainda cantadas na forma ordinária da Liturgia Romana.


7 CUIDADOS COM A MÚSICA NA LITURGIA

Uma preocupação crescente nos dias atuais nasce justamente de uma grande graça: a multiplicação de cantores católicos e consequentes trabalhos. São tantos lançamentos, tantas opções que acabam, muitas vezes, em confusão. A Igreja, sempre zelosa com a Liturgia, busca orientar músicos e liturgos em prol de celebrações que propiciem profunda experiência com Deus, sem perder a essência que as caracterizam.

Há, portanto, uma série de considerações a serem observadas pelo músico católico, quando o assunto é Liturgia. Além das já citadas, vale a pena acrescentar as seguintes:

  • As canções empregadas na Sagrada Liturgia precisam estar em sintonia com as motivações celebradas: não se cantam hinos de Natal na Páscoa, por exemplo, da mesma forma que um canto não pode ser considerado hino de louvor pelo simples fato de trazer em sua composição expressões como “Glória a Deus”.
  • Nenhuma composição litúrgica pode trazer o termo “Javé”, em respeito à tradição judaica de não se pronunciar o nome de Deus, bem como pelas razões que levaram ao costume de omiti-lo de seus textos litúrgicos (para mais esclarecimentos, consultehttp://liturgiahoje.blogspot.com/search/label/Jav%C3%A9).

Válido ressaltar que nem toda composição religiosa pode ser empregada na Liturgia. Muitos de seus autores sequer objetivam isso. A música popular católica tem por objetivo nutrir nossa fé no dia a dia e pode ser utilizada em encontros, retiros, catequeses e outros eventos cristãos. Ainda que não seja previsto dentro da Liturgia, é muito comum em várias comunidades a inserção de homenagens diversificadas, como dia das mães, dia do padre, do catequista, do trabalho, enfim. Caso isso ocorra, que ao menos haja bom senso na escolha de canções não litúrgicas, mas que preservem o clima celebrativo. Naturalmente, seja ressaltado, o melhor momento para esses tipos de homenagem é fora da missa, antes ou logo após. Esse estudo até merece um aprofundamento mais detalhado, mas não dentro deste artigo destinado à música na Liturgia.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sem sombra de dúvidas, a música ocupa um espaço muito importante em todos os segmentos da sociedade. Com a Liturgia não é diferente, uma vez que o cântico litúrgico pode elevar corações com grande intensidade. Mas essa possibilidade de elevação pode ter efeito contrário, se as celebrações não forem preparadas à devida altura, com a importância que devem ter. É lamentável perceber que muitas comunidades não investem em música, seja em aparelhagem de som adequada, seja em instrumentos musicais e, sobretudo, na formação e profissionalização de seus músicos. Em muitos lugares, são as iniciativas pessoais que dão resultado, o que não é ruim, comparada a estagnação de tantas equipes de canto.
Mesmo com a abertura dada pelo Concílio Vaticano II, no que tange o uso de outros instrumentos musicais além do órgão, e outras formas de canto além do gregoriano, muito ainda precisa ser feito para que a Liturgia não perca a sua sacralidade, sobretudo por parte dos que confundem canto litúrgico com seleção de músicas aleatórias que satisfazem gostos pessoais, mas são desprovidas dos sentidos que deveriam assumir em cada momento de uma celebração eucarística (para ser mais específico, embora isso se repita em outras celebrações sacramentais, principalmente em matrimônios). Agrava ainda mais a situação, quando pessoas “enxergam“ status no que deveria ser um serviço prestado conforme os dons recebidos, desenvolvidos e disponibilizados para o bem comum.Por fim, por mais que os tempos atuais tenham rendido boas safras de canções litúrgicas, não podemos abandonar o imensurável patrimônio que a Igreja construiu ao longo dos séculos. Canções que sustentaram na fé nossos antepassados não podem ser simplesmente descartadas. Antes, merecem atenção e consideração, mesclando o antigo com o atual, ainda que a tradição em língua portuguesa não possua tão grande repertório. Cantos em latim também entram nessa dinâmica, mesmo em missas rezadas no vernáculo (por que não?).
Que Santa Cecília, padroeira dos músicos, interceda sempre por todas as equipes de canto litúrgico. Amém!

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